quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Um dia de trabalho

Mais um conto para vocês. Esse um pouco maior do que o último. E de abordagem diferente. Espero que gostem.

Prazer. Chamo-me Marie, tenho 27 anos, trabalho para o FBI e sou uma psicopata.

            Ei, não se assuste, não é como se eu fosse te matar através de uma folha de papel. Na verdade eu não te mataria de modo algum, á não ser que você fosse um criminoso federal e eu não conseguisse prende-lo. De qualquer modo, eu não lhe mataria.
            O problema das pessoas é que elas sempre acham que um psicopata é mau. Mas como poderíamos ser maus, se nem temos sentimentos? Vai ver é por isso que não gostam de nós, porque não temos necessidade de esconder sentimentos, enquanto vocês “normais”, precisam á todo momento conviver com o que sentem.
            -Senhorita Van Der Bor, o Doutor Hanks lhe espera.
            Acenei para a secretária/ recepcionista, levantei-me de meu lugar e fui para a sala do “misterioso” terapeuta.
            -Bom dia, senhorita Marie. – Ele levantou-se e sorriu. Era um senhor com mais de cinqüenta anos, ralos cabelos grisalhos, um terno alinhado e um sorriso açucarado.
            -Bom dia, Doutor. – Fechei a porta atrás de mim, e a tranquei. Conseguindo fazer sem que o doutor percebesse.
            -Como se sente? – Ele se sentou.
            Pergunta interessante. Como eu me sinto? A verdadeira pergunta é se eu sinto algo? E a resposta é não, não sinto nada. Mas...
            -Me sinto bem. – Não queria levantar aquela questão naquele momento, por isso fiz o mais fácil. Menti.
            Eu me encostei no óbvio divã, mas sem me deitar. Seria patético demais e poderia me atrasar em alguma ação de surpresa.
            -Corajoso o bastante para fazer as perguntas? – Arquei uma sobrancelha.
            -Não tenho medo de você, Marie. – Ele disse querendo passar confiança.
            Pois ali estava seu erro, deveria ter sentido o medo antes, assim não seria pego de surpresa.
            -Então, comece á fazê-las.
            -Quando você percebeu que era uma... – Ele próprio se interrompeu. Sorri maliciosamente.
            -Psicopata, doutor. Eu sou uma psicopata. – Eu o completei e o acusei: - Surpreende-me o fato de o senhor, um profissional, se envergonhar de me chamar pelo o que sou.
            -Eu iria completar a minha pergunta. – Ele disse mostrando ligeira irritação. – Se a senhorita tivesse esperado um pouco.
            Dei de ombros. – Sabia que essa coisa de ser “senhorita” é até um pouco interessante?
            Ele não deu muito atenção. Erro após erro.
            -É interessante porque estou com 27 anos e nunca tive um relacionamento sério. Acho que descobrir que a mulher com quem você sai é uma agente do FBI e psicopata não ajuda muito em construir um namoro.
            -Estranho. Já que você é bem bonita. – Reparei que dessa vez ele não disse o habitual “senhorita”. Intimidade forçada, doutor. Mais um erro.
            -Obrigada. – As pessoas sempre me diziam o quão bonita eu sou, rosto delicado, pele dourada, longos cabelos castanhos e olhos esverdeados. O problema era quando eles descobriam sobre a minha saúde mental. A partir daquele momento, a antes mulher bonita, virava uma louca fora do hospício. – Mas por mais estranho que pareça, nem tudo é beleza, doutor. – Fui sarcástica. – Termine sua pergunta.
            Ele acenou.
            -Quando você percebeu que era uma psicopata? – Ele finalmente pronunciou o nome certo. Depois cruzou as pernas e pegou o seu bloquinho de papel.
            -Penso que foi no momento em que meu colega no jardim de infância caiu dos brinquedos do parquinho e quebrou o pescoço.
            Ele demonstrou surpresa, mas logo a escondeu.
            -O que você fez perante isso?
            -Desci do escorregador, circulei seu corpo sem vida e fui atrás da professora. Chegando lá, disse á ela que o garoto havia morrido. Ela se desesperou e foi conferir com seus próprios olhos. Comportei-me normalmente, olhando os paramédicos pegarem o corpo do garoto, depois saí do parquinho e voltei para dentro da sala de aula, queria ficar ali, pois não tinha nada mesmo para fazer, mas a escola foi fechada por 2 dias, e eu acabei ficando em casa.
            -E como as pessoas reagiram á esse seu curioso comportamento?
            -As pessoas pensavam que eu estava em estado de choque, mas o estado de choque nunca passou, de fato continua até hoje.
            Ele escreveu algo em seu bloco de papel. Aposto que eram apenas rabiscos.
            -Você visitou outros terapeutas, durante sua vida? – Ele perguntou ainda olhando para os rabiscos.
            -Bem, isso é óbvio, já que eu sou uma psicopata diagnosticada. Vi caras como você durante toda a minha vida. – E isso não era nem um pouco mentira. Já fui em tantos psicólogos, que já poderia atender outras pessoas. O difícil seria encontrar alguém que confiasse em mim para diagnosticá-lo.
            -Interessante. Mais uma pergunta: Como foi sua adolescência?
            -Meus pais optaram por eu estudar em casa, então não foi grande coisa.
            -E como você começou a trabalhar no FBI?
            -Foi fácil conseguir um emprego se uma das exigências era de eu ser a pessoa mais imparcial em julgamentos. Já que não posso me emocionar, nem se eu vê-lo morrendo aqui, agora na minha frente, eu acabei conseguindo o emprego.– Disse de brincadeira, mas o meu tom pareceu não ter sido, porque ele me lançou um olhar assustado. – Demos um jeito, e eu burlei o teste psicológico. E eu também sou boa em atirar. É meu dom. Isso tudo facilitou na questão da construção de minha carreira como agente.
            -Está em algum trabalho por agora?
-De fato, estou.
-Gostaria de falar sobre ele, ou é confidencial?
-Não se preocupe, de qualquer modo você irá saber. – Joguei a isca, e ele pareceu mordê-la, mas depois á soltou. O ser humano é tão arrogante, ele de certo estava pensando que ninguém teria conseguido rastreá-lo, por isso estava tão tranqüilo. Pois devia preocupar-se mais, já que eu já estava aqui pronta para trabalhar.
-Então. Houve um cara texano que esquartejou sua mulher, e que estuprou todas as 4 filhas que havia com ela, além de um menino de 10 anos que também era seu filho. Logo depois de tudo isso, matou todos e os enterrou em linha reta, ligando a sua casa á uma encruzilhada, tudo isso com os corpos de seus familiares. Era algum tipo de ritual satânico, que aparentemente não funcionou. Depois fugiu e agora estamos em sua cola, quase conseguindo encontrá-lo. – Louis Hanks engoliu em seco. – E aí Louis, como você conseguiu perder o sotaque sulista tão rápido e ainda um diploma de psicologia?
A última pergunta foi o que o fez finalmente movimentar-se. Ele colocou a mão na cintura da calça.
-Tarde demais, assassino! – Eu disse, já com a minha arma apontando para a cabeça dele. Tinha ido com uma camiseta ligeiramente folgada para não mostrar o que eu escondia em minha cintura.
Ele continuou com a mão ali.
-Abaixe a mão, senão eu atiro! – Gritei de novo. Idiota arrogante. Errou aceitando atender um agente do FBI, errou em se mostrar novato, errou em matar toda a sua família. A mãe dele errou por tê-lo feito nascer. 
-Vamos ver se você é mesmo uma psicopata. – Movimentou-se, tentando puxar a arma. Mas eu agi mais rápida e atirei em sua mão.
-Sou uma psicopata diagnosticada, você é apenas um cara idiota que estragou a sua vida e de seis pessoas.
Ele se ajoelhou e inclinou-se sobre sua mão. Sangue escorria enquanto ele choramingava. Olhei para algo ao lado dele que chamou a minha atenção. Tinha-o feito perder um dedo e foi bem o do meio.
-Sua piranha! – Gritou, lançando um olhar cheio de ódio em minha direção.
-Grande reviravolta, não? – Disse ignorando seu xingamento e me aproximando dele. – Você achando que tinha se safado, e que estava apenas atendendo uma louca hoje. – Puxei a manga de minha blusa para minhas mãos e peguei seu dedo do chão. Estendi á ele. –Acho que isso é seu.
Ele pegou o dedo com a outra mão e começou a choramingar novamente.
-O que foi, amigo? Está doendo? Imagina a dor de sua mulher quando não perdeu apenas um dedo... – Abaixei meu rosto bem próximo do seu envelhecido. – Mas sim todas as partes, que foram separadas.
Ele não disse nada, apenas cuspiu em minha cara. Limpei o rosto com a manga da blusa e apontei a arma para sua outra mão. Mais um tiro, menos um dedo.
            Levantei de minha posição ajoelhada e peguei o celular. Ignorei os choros altos e gritos ocos de Louis. Já havia algum tempo que a recepcionista estava tentando entrar no cômodo, de certo já havia ligado para a polícia. Mas a minha hierarquia era bem mais alta que a da desses oficiais de interior, então nem me preocupei.
            Disquei o número e ouvi apenas um toque.
            -Agente Snider.
            -Snider, pode entrar. Já estou com ele... Abatido. – Loius continuava a gritar.
            -O que você fez com ele, Marie? Porque tantos gritos? – Snider perguntou normalmente, como se eu fizesse aquele tipo de coisa á todo momento. Ele não estava exatamente errado.
            -Nada demais, ele que quis atirar em mim primeiro. Venha e leve-o.
            Desliguei o telefone e olhei para Louis Hanks que havia se calado. Ele desmaiou e finalmente ficou quieto. Para alguém envolvido em satanismo e assassinato, tinha o psicológico muito fraco. Ainda bem que eu nem tinha algo desse tipo.
            Dei-lhe as costas e destranquei a porta. A secretária entrou correndo, enquanto eu saia. Mais um dia de trabalho, menos um monstro solto no mundo. Mas será que é certo um monstro ser pego por outro monstro?
                                                                                                                                             Juliana CMC.


2 comentários:

  1. Eu lembro quando você me mostrou esse conto. De todos os que você já escreveu é meu preferido. Perfeito!! Eu lembro que você me disse também que sempre quis escrever um conto sobre psicopatas, e escreveu, um maravilhoso aliás, já to amando seu blog amiga. Beijos.

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  2. Obrigada amiga. Sua opinião é a mais importante pra mim. Fico feliz por ter gostado, e por fim ter conseguido escrever algo sobre um psicopata. Tenho vontade de escrever mais sobre eles, são fascinantes.

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