Loucura. Havia sido diagnosticada como uma pessoa
com distúrbios mentais. Mundialmente conhecido como loucura.
Olhei para o remédio tarja preta que estava em
minhas mãos. Ficara sentada no sofá, naquela mesma posição, já fazia muito tempo,
sempre olhando para o frasco. Deveria tomar seu conteúdo? E se tomasse,
realmente ajudaria?
Senti minhas pálpebras pesadas. Estava cansada.
Deitei no sofá e repousei a cabeça em uma macia almofada. Decidiria a questão
do remédio logo após acordar.
Suaves gargalhadas fizeram com que eu abrisse os
olhos novamente. Senti fracas cutucadas em meu braço. Olhei para o lado e
analisei o rosto de uma garotinha loira de uns 10 anos.
-Quem é você? – Perguntei, ainda meio sonolenta.
-Não se lembra de mim, Emmy? Eu sou você. – Ela
anunciou, passando a mão na lateral do meu rosto.
Alarguei os olhos e sentei no sofá em um pulo. É
verdade, a garotinha era eu. Mas isso há muito tempo atrás, há mais de 20 anos
na verdade.
-O que faz aqui? – Perguntei normalmente. Pois por
mais que parecesse estranho agora, não parecia antes. Pelo menos não naquela
hora.
-Você me chamou. – Ela se sentou do meu lado. E
ficou mexendo na barra de seu vestido, como eu fazia.
-Eu? Não me lembro de ter te chamado.
-Claro que chamou. – Ela me olhou como se eu
estivesse louca. – Foi um grito desesperado. Me deu até medo. Parecia que você
precisava de ajuda.
-Ajuda... – Repeti baixinho. – Como você pode me
ajudar?
-Não sei. Talvez eu possa pedir por reforços.
-Reforços?
-Sim. – Ela disse impaciente. – Feche os olhos e
espere um pouco.
Fiz o que ela disse.
-Emily. – A voz familiar fez com que eu abrisse meus
olhos novamente. A garotinha delicada havia sumido, o lugar dela foi tomado por
uma adolescente vestida de preto, e com a cara fechada.
-Você também sou eu? – Perguntei, olhando para os
olhos azuis da garota. O cabelo loiro havia sido tingido de preto. Desci meu
olhar para seus braços, seus pulsos estavam todos marcados, arranhados,
feridos.
-Sim. Feliz em me ver? – Ela sorriu sarcasticamente.
-Acho que sim. – Respondi confusa, ainda olhando
para os machucados – Porque você fez isso?
Ela olhou para os próprios pulsos.
-Não fui eu que fiz. Foi você. – Apontou para mim.
-Porque eu fiz isso?
-Seu pai, a pessoa que você mais amava no mundo, se
matou. Na sua frente. – A garota disse friamente.
-Porque ele fez isso?
-Ele não sabia que você estava vendo. Ele descobriu
que sua mãe o traia, e acabou se matando em um ato de covardia e desespero. –
Ela ergueu os pulsos em frente ao meu rosto. – Agora deve estar se sentindo
culpado pelo o que fez. Olha o que ele fez você fazer. Você se machucou. Você
sofreu, e tudo por culpa dele.
Meu nariz começou a arder, e uma lágrima desceu por
meu rosto. Eu me lembrava disso.
-Você vai me ajudar? – Perguntei secando a lágrima
com o dedo.
Ela olhou para baixo. – Não posso. Estou perdida
demais para ajudar qualquer um. Feche os olhos. Talvez alguém melhor venha.
Fechei novamente os olhos e esperei até ser chamada.
Passaram-se alguns minutos e ninguém me chamou. Finalmente decidi por abri-los.
Uma mulher jovem que devia ter uns 20 e poucos anos,
estava sentada no mesmo lugar da adolescente. Ela usava um terno e lia um livro
grosso. Seu cabelo agora estava loiro novamente.
-Porque não me chamou? – Perguntei ofendida.
-Quem precisa de minha ajuda é você. – Ela declarou
desdenhosamente.
-Você também sou eu?
Ela fechou o livro e lançou o olhar frio para mim.
-Está explicito que sim.
Tentei olhar para seus pulsos, mas a manga de seu
paletó não deixou.
-Quer conferir se as marcas ainda estão aqui? – Ela
levantou a manga. – Alguns cortes foram tão profundos, que deixaram cicatrizes
permanentes.
Olhei para as marcas. Agora estavam bem mais claras
que antes, mas mesmo assim ainda estavam ali.
-Você parou de fazer isso?
Ela olhou para mim novamente com um ar de desdém. –
Claro que sim. Isso não ajudava em nada. Percebi que guardar as coisas para mim
resolveria melhor do que pegar uma gilete e brincar de barbeiro em meu pulso.
-Que bom, então.
-Na verdade não. Guardar machuca mais do que isso. –
Vi algo no fundo de seu olhar. Era emoção, parecia tristeza.
-Sinto muito.
-Não sinta. Você que fez isso.
-Eu? – Perguntei surpresa.
-Você que guardou tudo. Você que se cortou, que se
fechou, que se quebrou. Agora está pagando por isso.
Senti-me mal pelo o que ela disse.
-Você vai me ajudar? – Tinha que ser ela. A moça
parecia ser a mais segura, deveria saber como me ajudar.
-Não tenho tempo para isso. Vamos esperar pela
próxima, talvez ela possa finalmente te ajudar. – Ela olhou sugestivamente para
mim. – Pensei que já tinha entendido que essa é a deixa para fechar os olhos.
Os fechei e esperei.
-Emily. – Uma voz tremida me chamou, abri os olhos e
me vi sentada ao meu lado.
Olhei para seu corpo e para o meu. Estávamos com as
mesmas roupas. Seu cabelo estava despenteado, e seu olhar tinha um brilho
estranho, assustador.
-Você quer minha ajuda? – Ela perguntou, passando a
mão em seus cabelos.
-Você pode me ajudar?
-Você pode se
ajudar? – Ela soltou o cabelo e segurou minhas mãos.
-Acho que não. É por isso que você está aqui, não é?
Para me ajudar, pois eu não consigo fazer sozinha.
-Tem certeza que não consegue sozinha? – Ela soltou
uma mão minha, e colocou a sua no bolso da calça de moletom que usava. – Pense,
Emily, todas as pessoas que tiveram aqui são você. Eu sou você.
Ela tirou do bolso o frasco de remédio e o estendeu
para mim.
-Aqui, minha querida, se ajude.
Peguei o frasco com as mãos tremulas.
-Agora feche os olhos.
Fechei-os mais uma vez, e um tempo depois os abri
novamente. Encontrava-me deitada no sofá, com o frasco em minha mão.
Se ajude,
minha voz soou em minha cabeça. Abri o frasco e peguei uma pílula. Coloquei na
boca e ela desceu em seco.
Esperei, esperei, mas nada aconteceu. Senti-me do
mesmo modo. Os mesmo dilemas, a mesma desilusão, mesmo sofrimento. Não mudou
nada. Tomei mais algumas pílulas, e elas não fizeram efeito algum.
Se ajude,
minha voz disse novamente. Mais pílulas. Agora entendi o que eu tentava me
dizer.
Senti meu corpo começar á adormecer. O frasco
inteiro havia ido embora, e estava na hora de eu ir também.
Fechei os olhos
pela última vez. Se ajude! Eu o fiz,
eu me ajudei. Porque ás vezes, o fim é a melhor ajuda. Juliana
CMC.
Nossa, adooooreei o texto, o desfecho, o modo como a personagem encontrou a saida que não foi tão bonita assim... tudo no modo da escrita me agradou, meus parabens.
ResponderExcluirTrágico, envolvente, curioso! Menina, adorei a forma com que descreveu este texto. Talento único, desfrute-o!
ResponderExcluirahh história é linda :D . É o tipo de hitória que eu gosto.
ResponderExcluirMas um conselho que eu te dou,, não que eu seja exper rsrs. Mas sempre deixe as melhores palavras pro final. Termine com alguma frase que tu ache que ficará guardada na memória de quem leu. :D
bjos!!
Simplesmente adorei, escreveste lindamente bem*
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